Pó de Pirlim pim pim

Numa conversa com o ateu mais militante de Portugal a declaração de que os movimentos new age ou supersticiosos, não escrevem cartas, nem exigem referendos, nem têm espaço de antena nas televisões portuguesas, levou-me a ponderar se realmente será apenas a religião como instituição, aquela capaz de afectar o nosso quotidiano ou ameaçar o nosso progresso.

Ao deambular por uma das minhas lojas de eleição, reparei que o espaço dedicado à religião está cada vez mais reduzido. Está a perder, há vários anos, espaço para o Esoterismo e nele incluí-se temas como cristais, cartomancia, numerologia, etc. Para quem é unicamente anti-religião, isto poderá ser bom sinal. Para mim é preocupante. Porque esta secção está a ganhar terreno às secções de História, Filosofia ou de Divulgação científica. Denota uma tendência que não decorre exclusivamente de vontades editoriais, mas sim, de vontades comerciais que procuram satisfazer as necessidades de um crescente interesse por estes temas.

Não é novidade que estes movimentos querem preencher o vácuo criado pela incapacidade de resposta por parte das religiões a determinadas questões. O desenvolvimento da sociedade, do alargamento da literacia a todas as pessoas (ou pelo menos a sua obrigatoriedade), o peso dos direitos alcançados pelas mulheres, a transformação da sociedade a uma escala global, a diminuição do desconhecimento do outro e a relativização de crenças pessoais – tudo isto levou a que muitas pessoas procurem respostas para além da doutrina de uma confissão.

É importante mencionar o papel das mulheres, não só porque é através delas que muita da transmissão cultural é feita, (as mulheres são ainda as educadoras by default), mas porque é pelo seu diminuto papel conferido pelas religiões que as leva a procurar formas de se auto-valorizarem, longe das agrilhoas que a relegam unicamente para o papel de mães. (Não pretendo, de forma alguma, desvalorizar o papel de mãe, mas é redutor considerar esse papel o único da vida de uma mulher. Uma mulher, não deixa de ser mulher se não pode ou se optar por não ter filhos. Tal e qual como um homem não deixa de ser homem se optar por não ser pai.)

O movimento new age responde a muitas questões que estão intimamente ligadas ao lado feminino. Se a religião – seja ela qual for – é maioritariamente negligente ou castradora em relação a determinadas facetas da vida humana, nomeadamente no campo da sexualidade, este tipo de crença coloca no centro o sujeito e dá especial ênfase ao lado feminino (Quem deu origem a este movimento, sabia o que estava a fazer ao escolher as mulheres como seu público-alvo).

Quer queiramos ou não, este sistema de crença deriva de uma procura, real e concreta, de saber onde qual a nossa posição neste universo. A procura de um sentido para a vida é uma das melhores apologias da religião, aquilo que confere uma espécie de conforto artificial para as incongruências da vida. A sede de encontrar respostas leva muita gente a procurar a solução mais fácil, seja ela, considerar que os nossos defeitos ou qualidades derivam da posição dos astros, ou que é possível alterar o curso dos acontecimentos através de pó de pirlim pim pim ou de acções de intercessão junto das divindades.

O problema torna-se preocupante quando o passado é transformado em presente, quando as tradições, ocidentais ou orientais, são tomadas como benéficas, quando a antiguidade é considerada uma mais-valia.

As pessoas são livres de pensarem o que quiserem. Mas  Conhecimento é algo que deve estar disponível a toda gente e neste momento, não existe muito esforço por parte dos nossos media para refutar uma tendência que reforça o lado sobrenatural ou místico. Podemos tentar combater a influência das Igrejas na sociedade, mas julgo que é importante minar, antes de tudo, alguns dos preconceitos em que muitas crenças religiosas se fundamentam. Pode parecer folclore, no entanto, não podemos esquecer que muitas das crenças espirituais começaram assim.

Publicado originalmente no Portal Ateu a 10 de Janeiro de 2010