O mercado das ervas medicinais e suplementos alimentares sofreu nos últimos anos algumas tentativas de regulamentação. A legislação pode ser entendida como uma maneira de proteger a saúde dos consumidores e estabelecer os limites da publicidade abusiva.
As directivas comunitárias que regulamentam tanto as ervas medicinais e os suplementos alimentares são vilipendiadas pela internet como a prova final que a União Europeia, apoiada e financiada pela indústria farmacêutica, quer minar a saúde dos europeus.
Há um ano atrás, andou a circular pelo Facebook uma petição contra a directiva 2004/24/CE. Os comentários associados às partilhas da petição exortavam as pessoas para impedir uma “lei que pretendia proibir o uso de alho e hortelã”.
A directiva 2004/24/CE tratou de regulamentar os medicamentos à base de plantas. Em que estes, para serem aprovados como tal, necessitam de demonstrar, através de ensaios clínicos que são eficazes e seguros.
Em baixo, a petição que circulou pela internet para impedir a directiva 2004/24/CE
[Podem tentar jogar “Qual é a falácia?”]. No vídeo fazem-se alegações de segurança e de eficácia e a única “prova” que apresentam é o uso dessas substâncias por milhares de pessoas. Há também o recurso à longa tradição do seu uso, que não nos diz nada, pois as plantas, se possuem efeitos terapêuticos podem ter também características nocivas que não se manifestam imediatamente.
Começam a surgir bases de dados como esta em inglês e esta em português, que nos dão uma boa visão do quão complicado este processo pode ser. Avaliar as propriedades benéficas ou prejudiciais de uma planta ou de substâncias derivadas de plantas não é tarefa simples e mesmo uma substância com benefícios comprovados como o alho, pode ter efeitos secundários adversos.
Não se sabe ao certo quantos vendedores e fornecedores de produtos de ervanária tentaram contornar a directiva 2004/24/CE, catalogando os seus produtos como suplementos alimentares. Deste modo, ficariam automaticamente isentos de apresentar provas da eficácia e segurança dos seus produtos, já que os suplementos alimentares estão isentos de qualquer tipo de avaliação e controlo, cabendo ao produtor a responsabilidade final de apresentar um produto que seja seguro.
Mais recentemente, tomei conhecimento de uma outra petição através do blog Aventar desta vez contra a directiva 1924/2006/CE.
Em baixo a campanha contra a directiva 1924/2006/CE
O vídeo não anda longe do mesmo tipo de justificação falaciosa que vimos anteriormente, levando alguém mais distraído, a pensar que o que a UE pretende é regulamentar os alimentos de maneira a torná-los proibitivos ou a favorecer a indústria farmacêutica. Pode-se discutir se uma lei como aquela que impõe limites ao uso de sal no pão pode ou não ser viável, se é ou não um atentado à nossa liberdade. Mas não é disso que esta directiva trata e convém ver o que é que está em causa.
A directiva 1924/2006/CE regulamenta as alegações nutricionais e de saúde dos suplementos alimentares. Assim:
o rótulo dos suplementos alimentares não deve conter:
- menções que atribuam ao produto propriedades de prevenção, tratamento ou cura de uma doença humana;
- menções que afirmem ou sugiram que um regime alimentar equilibrado e variado não constitui uma fonte suficiente de nutrientes em geral.
De acordo com a legislação alimentar no site do Ministério da Agricultura:
Os suplementos alimentares são géneros alimentícios comuns que se destinam a complementar e/ou suplementar um regime alimentar normal, constituindo fontes concentradas de nutrientes. Não se destinam a tratar doenças, o que é função dos medicamentos. Por isso não podem alegar ou sugerir tais propriedades na rotulagem, apresentação e publicidade. Os medicamentos, cuja competência é do INFARMED, definem-se como substâncias ou associações de substâncias com propriedades preventivas ou curativas de doenças humanas ou dos seus sintomas, para além de outras funções.
A verdade é que na maioria dos países europeus e nos Estados Unidos a indústria dos suplementos alimentares e dietéticos não é obrigada a apresentar provas de segurança e eficácia porque não são medicamentos. Cabe a quem produz esses suplementos a responsabilidade de assegurar a segurança desses produtos. Como não há qualquer controlo sobre eles, temos de confiar cegamente que o produto à venda seja seguro. O que nem sempre acontece.
No entanto, a directiva não tem como objectivo a restrição dos produtos dietéticos ou suplementos alimentares, mas sim a proibição de alegações de curas ou tratamentos de problemas de saúde. Ou seja, o suplemento xpto não pode alegar que reduz a diabetes, pois isso implicaria uma avaliação, avaliação essa a que os suplementos alimentares, por serem “géneros alimentícios comuns”, não estão sujeitos.
Há várias contradições nos argumentos que são avançados no post do Aventar. Alguns podem ser reduzidos a uma profunda desconfiança perante uma indústria que obtém lucros absurdos à custa do mal dos outros. Não estou a por em causa os muitos graves problemas da indústria farmacêutica. Só é muito curioso fazer-se uso dos mecanismos que regulam e controlam os abusos (infelizmente não a 100%) das farmacêuticas para depois advogar que a outra indústria, a dos suplementos alimentares e das terapias ditas não convencionais deve ter um livre passe para fazer o que bem entender.
O consenso científico aponta para os perigos de usar suplementação alimentar desnecessária e recomenda uma alimentação equilibrada e saudável. Mas esta afirmação é vista com desconfiança. Porquê? Será que recomendar brócolos sem mencionar a sua proveniência, se do Pingo Doce ou se da mercearia da Tia Joaquina ou se plantada ali no meu quintal, é estar a favorecer a indústria farmacêutica?
Longe de serem absolutamente inúteis, como se afirmou nos comentários, os estudos sobre as vitaminas são fundamentais. São produtos à venda ao consumidor e este necessita de estar informado sobre os potenciais riscos que corre ao consumir estes produtos. Os estudos clínicos sobre as vitaminas e suplementos alimentares têm por base os produtos que estão no mercado. Como não há um controlo prévio por uma entidade independente, a afirmação duma empresa que diz que as vitaminas que produz são naturais ou seguras não passa de uma estratégia de marketing.
E convém recordar que muitos suplementos alimentares disponíveis no mercado são comercializados pela indústria farmacêutica.
O que o senhor no vídeo diz é que a UE quer impedir que as pessoas sejam informadas das alternativas para melhorar a sua saúde. O que ninguém pergunta, lá onde estão todos desconfiados quanto à regulamentação do Estado, é porque é que estes senhores tão preocupados com a saúde das pessoas, não optam por classificar os seus produtos como medicamentos. Eu sei porquê, é que para isso seria necessário provar que esses produtos curam e previnem doenças e provavelmente não podem, não querem, nem lhes convém chamar a atenção para essa falha. Dá cabo do negócio…