Artigo publicado originalmente na COMCEPT a 17 de Outubro 2012
As razões que estão por detrás do aumento da procura e da profusão de terapias ditas alternativas são várias. Umas relacionadas com a iliteracia científica que impede que se identifique a implausibilidade de grande parte delas; outras com uma tendência da sociedade actual procurar a novidade, outras como uma reacção aos sistemas nacionais de saúde. Existem, também, as motivações de cariz ideológico que se prendem com princípios éticos e tomadas de posição perante os problemas ambientais do mundo.
Alguns destes princípios éticos são fundados numa concepção falaciosa em que a natureza é uma espécie de paraíso perdido ao qual interessa regressar. Nesta concepção existe uma barreira intransponível entre aquilo que é natural, sempre entendido como algo positivo, como se a natureza existisse apenas para servir o Homem, e aquilo que é sintético, fabricado pelo homem, potencial causador de todos os males da sociedade moderna.
Mas existem realmente preocupações éticas merecedoras de atenção entre estes amantes da natureza. Algumas pessoas tomam decisões conscientemente quando optam por recorrer a legumes de origem biológica, quando optam por comprar produtos cosméticos que não foram testados em animais e optam igualmente por comprar produtos “naturais” convencidos que naturais são apenas as plantas.
Entre estes, quantos saberão que a Medicina tradicional chinesa (MTC) emprega muitas substâncias de origem animal na sua materia medica? [1]
A bílis de urso é tradicionalmente usada na medicina tradicional chinesa por conter um ácido biliar secundário – ácido ursodeoxycholico – e que pode ter benefícios na regulação do colesterol e na eliminação de pedras nos rins sem ser necessário cirurgia. Segundo a Science Based-Medicine [2], o ácido biliar que existe na bílis de todos os mamíferos, foi sintetizado há décadas e é uma alternativa eficaz ao ácido retirado da bílis dos ursos. No entanto, a maioria dos praticantes de MTC recusa a aceitar a versão sintética. [3]
Na China, os animais eram capturados do seu meio ambiente natural, mas a redução drástica destes animais levou à criação de quintas onde os ursos são mantidos em cativeiro com o único propósito de extrair a bílis e sem qualquer preocupação com o bem-estar do animal. (As descrições e imagens de alguns artigos que denunciam a prática podem ferir sensibilidades).
Os cavalos marinhos são frequentemente apanhados e secos ao sol e quando feitos em pó são utilizados na medicina tradicional chinesa como afrodisíacos. Segundo a Acupuncture Today, os cavalos-marinhos estão associados aos meridianos do fígado e do rim e são utilizados para tratar asma, infecções da garganta e dores abdominais.
Recentemente, mais de 16.000 cavalos-marinhos secos foram apreendidos pela polícia peruana. Tinham como destino a Ásia.
O corno de rinoceronte (composto por queratina) é usado na medicina tradicional asiática desde longa data para curar várias maleitas, desde dores de cabeça até a vómitos, passando por possessões demoníacas. De uma maneira geral, todas as alegações de benefícios não têm fundamento. [4] [5]
Em 1993 o governo chinês aderiu e assinou a convenção para a protecção de espécies em perigo. Como consequência o uso do corno de rinoceronte foi proibido. No ano passado, vários praticantes de medicina tradicional chinesa vieram a público condenar a prática e refutar os mitos que andam à volta dos supostos benefícios para a saúde do corno de rinoceronte. [6] [7]
Apesar disso, o facto é que os ataques furtivos a este animal estão a aumentar e não a diminuir, como se confirma pela notícia de ontem no The Guardian .
Algo preocupante é a existência de produtos à base de corno rinoceronte sem qualquer vestígio da substância que está no rótulo. A procura é tal que à falta do principal ingrediente, os produtos são vendidos adulterados, sem que o consumidor se interrogue sobre o que está realmente a comprar.
Para além de espécies em perigo, mesmo no campo vegetal, a situação é grave. Numa análise a 15 preparados usados na medicina tradicional chinesa, foram encontradas vestígios de plantas consideradas perigosas, como é o caso da Aristolochia, uma planta que contém um cancerígeno, sem que esta constasse no rótulo. [8]
UPDATE 24 Outubro 2012
Na África do Sul, Mark Wilby está a tentar salvar os rinocerontes com uma acção, no mínimo curiosa, vejam o vídeo em baixo ou leiam a notícia em inglês aqui.