É frequente ouvir a expressão “é um produto natural” como sinónimo de algo benéfico e inofensivo.
No entanto, o termo “natural” não nos diz grande coisa. Aliás, é complicado perceber se para quem utiliza o termo, o natural se refere à natureza num todo, incluindo todo o tipo de bactérias e vírus que existem no mundo natural, se se aplica exclusivamente ao mundo vegetal, ou se serve apenas para classificar algo que não tenha sido manipulado pela mão humana e assim temos de deixar de classificar todos os frutos e produtos agrícolas como naturais.
Existe igualmente a falsa dicotomia entre o natural e o químico. O natural é bom, o químico é mau. Ignora-se que muitos medicamentos têm também, embora não exclusivamente, origem vegetal e que as plantas possuem elementos químicos na sua composição. É talvez por isso que não passa pela cabeça da maioria das pessoas a ideia que um simples chá ou uso de uma erva medicinal pode interferir com um determinado medicamento.
O uso de plantas de medicinais é transversal a todas as culturas um pouco por todo o planeta. A ideia que uma planta de uso tradicional é benéfica, não possui efeitos secundários e não é perigosa parece estar bem incutida na nossa memória colectiva. São as mezinhas da avó, é o conhecimento milenar dos antigos.
Ao longo dos tempos, os efeitos benéficos de uma determinada planta nem sempre foram fáceis de quantificar. É necessário ter em conta que a melhoria do sujeito pode estar relacionado com outros factores independentes da ingestão de uma determinada planta. Daí a importância de recorrer a avaliações científicas que tenham em atenção a subjectividade e o próprio desenvolvimento da doença.
Por outro lado, o ser humano soube ao longo dos tempos identificar algumas substâncias perigosas no seu meio ambiente. A ingestão de uma baga venenosa ao provocar a doença ou morte imediata servia de lição muito rápida para se tornar alimento a evitar.
A longa tradição ou o uso milenar de uma determinada planta não é, no entanto, garantia de ausência de risco. Infelizmente, esta afirmação é comprovada por um estudo recente que demonstra que um elemento tóxico numa planta medicinal está relacionado com casos de cancro no tracto urinário em Taiwan.
Aristolochia é um ingrediente comum nos remédios das medicinas tradicionais na Ásia para tratamentos vários, desde a perda de peso ao alívio de dores nas articulações. Os sinais de risco associados à ingestão desta planta surgiram ao longo das últimas décadas e o ácido aristolóquico é responsável pela doença Nefropatia Endêmica dos Bálcãs, descrita pela primeira vez em 1956, e que atingiu especialmente camponeses das zonas rurais da Bósnia, Bulgária, Croácia, Roménia e Servia. As sementes da erva Aristolochia eram usadas para produzir pão nessa parte do mundo.
Também na Europa, nos anos 90 um grupo de mulheres belgas sofreu sérios problemas renais após tomar ervas medicinais chinesas que continham o ácido aristolóquico, com intuito de emagrecer.
Apesar de existirem interdições ao uso desta planta em vários países, a situação é difícil de controlar porque a substância é vendida via Internet. Grande parte da comercialização em Taiwan, embora proibida, é feita através da vizinha China.
Em Portugal, estas ervas medicinais podem ser tratadas como suplementos alimentares ou produtos dietéticos. O facto dos suplementos alimentares não serem comercializados como medicamentos à base de plantas, permite-lhes escapar às exigências de apresentação de dados de segurança, de eficácia e de toxicidade e de inclusão de informação complementar ao utilizador. [1]
No entanto, com a entrada em vigor da Directiva europeia 2004/24/CE em 2011 houve uma alteração na regulamentação nos medicamentos à base de plantas, sendo estes obrigados a demonstrar a sua qualidade, segurança e eficácia. A aprovação do medicamento à base de plantas cabe ao Infarmed.
O aumento da procura de “produtos naturais” e a ausência de regulamentação tanto na área dos suplementos alimentares como nas Terapias não convencionais (ou pelo menos na ausência da sua aplicação) fazem com que avisos como este não sejam suficientes para alertar as pessoas dos riscos que correm ao optarem por recorrer a substâncias das quais ainda pouco sabemos.
Apesar de ser usada desde a Antiguidade e a sua toxicidade ser minimamente conhecida, é complicado estabelecer a extensão dos danos que o consumo desta planta terá provocado ao longo dos tempos. Apenas estudos epidemiológicos, isto é, com registo sistemático e metódico, serão capazes de avaliar os riscos associados ao uso deste tipo de plantas, já que os seus efeitos podem não ser imediatos.
[ACTUALIZAÇÃO a 9 de Agosto 2013] Uma notícia no jornal público, dá-nos conta que os efeitos tóxicos desta planta são mais graves do que julgava inicialmente.
Mas até agora ignorava-se a amplitude das mutações genéticas que o ácido aristolóquico é capaz de provocar. Margaret Hoang, do Hospital Johns Hopkins, e colegas sequenciaram o genoma de cancros dos rins de 19 doentes de Taiwan que estiveram expostos ao ácido aristolóquico e de outros sete doentes com cancro renal que nunca estiveram expostos a esta substância.
Desta forma, os cientistas puderam identificar especificamente as mutações genéticas desencadeadas neste cancro – concluindo que o ácido aristolóquico é responsável, em média, por 753 mutações em cada cancro analisado. Como comparação, os sete doentes que não tinham estado em contacto com o ácido aristolóquico apresentavam 91 mutações, em média. [3]
Fontes:
[1] Produtos à base de plantas dispensados em ervanárias para o emagrecimento: efeitos terapêuticos, toxicologia e legislação– Dissertação de Mestrado em Medicina Legal, Ana Raquel Marques Monteiro
[2] DIRECTIVA 2004/24/CE DO PARLAMENTO EUROPEU E DO CONSELHO
Herbal remedy blamed for high cancer rate in Taiwan: study – Yahoo News Canada
Herbal Medicine and Aristolochic Acid Nephropathy – Science Based-Medicine
[3] Extracto de planta medicinal chinesa é mais cancerígeno do que o tabaco – Jornal Público
REVISTO DIA 19/06/2012 para corrigir um erro. A directiva comunitária indicada em cima apenas se refere aos medicamentos à base de plantas e não aos suplementos alimentares como estava descrito inicialmente. A directiva que entrará em vigor para regular os suplementos alimentares é a directiva 1924/2006/CE