Ao contrário do que muitas vezes se afirma, o progresso tecnológico e o conhecimento científico que hoje possuímos sobre o ser humano na sua vertente biológica e cognitiva, sobre a natureza e sobre o universo, não significa necessariamente que estamos hoje, de uma forma global, menos susceptíveis a erros cognitivos, mais protegidos de superstição ou crenças sem fundamento. Seria até interessante, se ainda não foi feito, analisar e inventariar as crendices que eram frequentes no mundo pré-Revolução Industrial e compará-las com aquelas que hoje estão em voga.
São tantas as antigas crenças que ainda hoje perduram – a astrologia, a cartomancia – como aquelas que desapareceram num passado remoto, para serem agora ressuscitadas pelo Ocidente, maravilhado com a sabedoria dos antigos e desapontado pela “ciência que não consegue explicar tudo”.
Mas se os movimentos New Age tendem a ser facilmente ignorados ou menosprezados como uma patetice sem importância ou inofensiva, existe outro tipo de crenças sem fundamento que ganha cada vez mais terreno e parece assumir uma importância assustadora em todo o mundo. Falo das “medicinas” alternativas. Aquelas que não merecem o título medicina (sem aspas) porque os seus métodos ou práticas não tem eficácia comprovada. Isto inclui todo o tipo de terapias, algumas verdadeiramente perigosas, outras que embora sejam inofensivas, por não causarem efeitos, podem ser perigosas se uma pessoa optar por recorrer ao seu uso de forma exclusiva.
As “medicinas” e “terapias” alternativas tornam-se bastante atractivas porque são exóticas, porque são milenares, porque são naturais, porque solucionam problemas que a Medicina (que os proponentes das “medicinas” alternativas gostam de apelidar de ocidental ou tradicional) não consegue resolver. A Homeopatia, dentro do conjunto destas “medicinas” alternativas, é um dos melhores exemplos de persistência de crenças sem fundamento na actualidade.
É bem provável que toda a gente já tenha ouvido falar de Homeopatia e é bem provável que muitos saibam exactamente do que se trata. A homeopatia não tem nada de exótico se pensarmos que esta prática nasceu na Europa, mais precisamente na Alemanha. Não é milenar, foi criada no final do século XVIII. Quanto ao ser natural, bem, depende do valor que se atribui ao natural. Penso que quando a maioria da população fala em produtos naturais não se refere a testículos de boi, saliva de cães com raiva, a veneno de cobra, ou a fóssil de dinossauro.
A homeopatia partiu do princípio em que se assume que se uma determinada substância causa uma doença num sujeito saudável, então a mesma substância deverá curar o sujeito doente. Para além disto, a substância terá de ser altamente diluída, diluída ao ponto de não restar qualquer vestígio da substância activa. A solução proposta para explicar o efeito de um produto homeopático reside na proposta avançada por Jacques Benveniste (1935– 2004): a água tem memória.
As substâncias que são usadas na homeopatia são de origem diversa, desde a vegetal, animal, fóssil e até sintética. A maioria das substâncias são descritas em latim, o que dificulta o entendimento de quem lê o folheto informativo. No entanto, há algumas bastante fáceis de entender e provavelmente a indústria homeopática conta com o facto da maioria dos seus clientes ser crédula o suficiente para acreditar realmente que existe um medicamento feito com uma substância Tyrannosaurus rex. Sim, o mais famoso dinossauro. A homeopatia usa parte de um fóssil do Tiranossauro Rex para fazer um “medicamento” para diversas condições do foro psíquico, incluindo omnipotência (!), ilusões de grandeza, obstinação e sonhos de animais ou dinossauros!
Julgo que a indústria da homeopatia não esteja muito preocupada se alguma vez lhe perguntarem onde vão buscar o fóssil para fazer os seus produtos. Nada pode provar que realmente usam o fóssil de qualquer dinossauro, quanto mais do T-Rex, já que não resta uma única molécula da substância original após as diluições homeopáticas.
Nada disto é importante para quem toma homeopatia. Provavelmente nunca se questionaram sobre o que é realmente aquela substância com nome em latim. Para uma população distraída, conversas sobre testes clínicos, eficácia de medicamentos e discussões internacionais, passam ao lado de muita gente. E na verdade se formos perguntar à senhora preocupada com os efeitos secundários de medicamentos, é bem provável que sua reacção seja favorável quando na farmácia lhe oferecerem um comprimido que não tem efeitos secundários (penso que não lhe é dito que não tem efeitos primários), que é natural e que “muita gente se dá bem com a homeopatia”.
Publicado originalmente no Portal Ateu a 12 de Janeiro de 2011 e revisto e alterado em 2012 para a COMCEPT